segunda-feira, dezembro 19, 2005

Pastoralidade (Parte III)

E agora, o que é o Mundo no sentido em que é apontado como inimigo da Igreja e da alma. Mais de um teólogo tem apontado os vários sentidos que tem a palavra “mundo”. Em primeiro lugar assinalamos o sentido genesíaco, metafísico, que designa a variedade de seres criados por Deus. Nesse sentido, “mundo” é no seu ser intrinsecamente bom, absolutamente positivo, e não pode ser visto como contrário ou como inimigo da Igreja. Mas essa intrínseca bondade do mundo, como ser ou multidão de seres, não quer dizer que ele tenha a plenitude da bondade (que só Deus possui) e esteja isento das possibilidades do mal que vêem, não da malignidade das coisas criadas, mas da fragilidade dos seres que não têm a aseidade, ou plenitude do ser.
Tomemos agora o mundo, e principalmente o mundo dos homens no estado em que se encontra depois do pecado de Adão e depois da Incarnação. Este mundo ferido pelo pecado não se propõe aos cristãos como objeto de inimizade porque é a ele, assim mesmo ferido e manchado, que se aplica a palavra da Misericórdia de Deus: “Deus tanto amou o mundo que lhe deu seu Filho único” (Jo. III, 16). E também: “Eu não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo. XII, 47).
Há entretanto já aqui, uma atitude tensa e nova que caracteriza a fundamental atitude da alma cristã. Em relação a esse mundo, em si mesmo bom, mas marcado pelo pecado das criaturas, é que Jesus nos diz que nós estamos no mundo, onde Ele nos escolheu, mas não somos do mundo.
E então, se não somos deste mundo nele estamos como peregrinos, ou como exilados. E este caráter peregrinal da vida cristã se estende a toda a Igreja da terra: ela está no mundo, mas não é do mundo. Ou melhor, não é deste mundo. E aqui chegamos ao dualismo mais contrastante e mais importante da relação Igreja-mundo, e da significação do termo “mundo”. Mas se a Igreja não é deste mundo, tem de ter sua existência e sua razão de ser com base em outro mundo. E é curioso notar que esta revelação, a mais caracterizadora da transcendência de sua obra, é feita por Nosso Senhor a Pilatos: “Meu Reino não é deste mundo, se meu Reino fosse deste mundo meus servidores teriam combatido para impedir que eu fosse entregue aos judeus: mas o meu Reino não é deste mundo” (Jo. XVIII, 36). Há então na obra de Deus uma criação de todas as coisas, e uma outra criação, ou uma nova criação na ordem da Salvação. Desde o Antigo Testamento encontramos o anúncio do outro mundo. Em Isaías temos: “Não cuideis mais das coisas antigas, eis que vou realizar algo de novo” (Is. XL, 15-17). Mas é no Novo Testamento que temos a chave do mistério anunciado pelos profetas: “Quando alguém está em Cristo é uma nova criatura, e então pode-se dizer: o antigo desapareceu, vede: tudo é novo!” (II Cor. V, 17).
Não se diga, porém, que o “outro mundo” é apenas a Igreja do Céu. Não. Já na terra a Igreja é o Reino de Deus começado, é portanto o “outro mundo” que está neste mundo de modo incoativo e peregrinal, mas não é deste mundo.
Mas não é ainda nesse sentido de “velho mundo” que o mundo é inimigo da Igreja. Ao contrário, esse velho mundo ainda é para o cristão o lugar e a ocasião que se oferece para completar, em sua peregrinação, e no Corpo Místico de Cristo o que faltou em sua paixão (Col. I, 24). Nesse sentido, amamos o mundo, obra de Deus, e amamos reduplicadamente o mundo em que Jesus caminhou e caminha ao nosso lado até o fim do mundo.
Pode acontecer que por desfalecimento de fé e de esperança nos apeguemos demais a este mundo e nos esqueçamos da Pátria verdadeira, mas nesse tropeço não é o mundo o agente agressivo principal, o inimigo que nos desvia de Deus: é antes a carne ou vontade própria que nesse ato de ingratidão e soberba segue a própria inspiração ou a inspiração de Satã.
Quando é então que o mundo é inimigo da alma e da Igreja. É o próprio Senhor Jesus quem nos responderá: “O mundo me odeia porque Eu testemunho contra ele e suas obras más” (Jo. VII, 7). E logo: “Sereis odiados por causa de meu nome” (Mat. X, 22). E ainda: “O mundo vos odeia porque não sois do mundo, como Eu não sou do mundo” (Jo. XVII, 14-16).
E agora se vê que o “mundo” inimigo da Igreja é aquela parte do mundo dos homens que se polariza, que se organiza como anti-Igreja, e que odeia os cristãos por causa do nome de Cristo, tentando agressivamente prendê-los, naturalizá-los neste mundo, para que reneguem Cristo Jesus e voltem as costas a Deus. E que organizações são estas que o mundo ousa fazer como uma anti-Igreja, ou como uma Igreja do Demônio? A história nos proporciona vários exemplos de movimentos, de “correntes históricas” que tiveram como característica essa agressiva e maléfica intenção organizada de arrancar as almas do jugo de Deus. Nos últimos séculos temos a Civilização Liberal, e dentro dela as correntes mais concentradas: o revolucionarismo, a maçonaria, o socialismo e o comunismo. São essas coisas que tentam a suprema estultice de eclesializar o mundo e de secularizar a Igreja como desejam os progressistas, que são hoje o mais virulento “mundo” inimigo da Igreja.
Gustavo Corção(Permanência)

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